Interrupção voluntária da gravidez

Em discussão com o Tiago sobre a avaliação do governo, surgiu o tema do IVG. E eu, no meio da discussão, preconceituosamente acabei por acusa-lo de ter preconceito partidário sobre este tipo de temas. A questão é que eu estava enganado, e gostaria de aproveitar esta oportunidade para pedir desculpa pelo meu erro (foi uma valiosa lição para mim de como não julgar de forma preconceituosa uma pessoa através de uma corrente ideológica que essa pessoa defende).

Posto isto fui pesquisar a opinião desfavorável à IVG do Tiago, e achei que era importante escrever este artigo. Ao contrário do que se possa pensar este é um tema que deve ser sempre discutido, pois nele estão inseridos conceitos de sociedade e de vida cujo o debate não termina num referendo.

O IVG é sempre um tema polémico. E a questão coloca-se em dois níveis:

1) Será correcto a IVG?

2) Será correcto que a minha opinião sobre a IVG influencie a possibilidade de outro ser humano com opinião contrária de praticar a IVG?

Começo então por responder à primeira questão e responderei letra por letra.
G de gravidez: Julgo que este tem de ser o primeiro passo desta discussão, ainda antes sequer das outras questões filosóficas de o inicio da vida ou de quando se considera que vida é vida. A minha primeira duvida é: A gravidez é algo da esfera do individuo ou não? Julgo que todos concordamos que sim. Independentemente dos motivos não é legitimo na nossa sociedade interferir nesta temática. Não é a sociedade que determina quem deve ou não engravidar, quando o individuo quer ou não engravidar, e em que situações é que é legitimo um individuo engravidar. Ultrapassada esta questão, passemos à proxima: o que é a gravidez? “Pregnancy (latin graviditas) is the carrying of one or more offspring, known as a fetus or embryo, inside the uterus of a female.” Ou seja, no fundo é o acto de suportar a criacção de uma nova vida. Neste contexto torna-se claro que: (A) a gravidez é algo do foro individual, (B) é o processo (neste caso biológico) pelo qual o individuo consegue gerar uma nova vida. A minha ultima questão é: deve ou não a geração de uma nova vida ser uma escolha activa do individuo? Na minha opinião sim! A gravidez é e tem de ser uma decisão activa da pessoa. Afinal trata-se de mudar uma não existência em existência, pelo que não faz nenhum sentido a sociedade decidir pelo individuo.
I de interrupção. Acrescentando esta letra à anterior levanta-me uma nova questão: Será a interrupção da gravidez algo moralmente negativo? A resposta é não, apenas porque não cai no campo da moralidade, pelo menos ainda não nesta letra. A interrupção da gravidez é um fenomeno natural e que ocorre com muita frequência. Mais, quando ocorre desta forma é esquecida com o tempo, não tendo qualquer impacto (geralmente)a longo prazo na vida da pessoa.
V de voluntária. É aqui que começa realmente a polémica. E a grande questão é: deverá o individuo poder decidir não continuar com a gravidez? Obviamente para mim sim. Pelo que expus na letra G, a gravidez deve ser sempre uma escolha pois estamos a falar de acrescentar algo que não tem existência, e a não existência nunca deve prevalecer sobre a existência. Uma nova vida nunca é uma obrigação, ou pelo menos não o deve ser na sociedade que idealizo. Neste contexto levanta-se uma nova questão: até quando deve um individuo poder decidir? Para mim a resposta é obvia e deriva da biologia: até ao momento em que o projecto de vida se passe a considerar uma vida. Para mim isso ocorre quando o conjunto organico que está no interior do individuo começa a ter a capacidade de sentir, que segundo a biologia julgo que é às 10 semanas. A partir desse momento já não é um projecto de vida mas sim uma vida e o cenário muda por completo de prisma.

Nesto contexto julgo que a IVG é um comportamento perfeitamente correcto numa sociedade que se queira responsável. E uma sociedade só pode responsabilizar individuos se der aos mesmos a capacidade de decisão.

Passemos então para a segunda questão, e a que estava em causa no referendo. A resposta obviamente é não. Como disse anteriormente a gravidez é e deve ser sempre uma opção e uma opção individual, e a minha opinião não deve obrigar uma outra pessoa a se comportar da maneira que eu acho mais correcta. Aliás é demasiado perigoso permitirmos que isso aconteça, pois significa deixarmos os outros interferir na nossa esfera puramente individual.

E agora Tiago, é isto que me confunde em ti. Como liberal que és, deverias, mesmo não concordando com a IVG, ser contra a obrigação que a sociedade impunha ao individuo de agir de determinada maneira. A minha questão para ti é: porque é que aceitas que a sociedade deve obrigar determinado individuo ter um filho contra a sua vontade no momento em que este ainda não é mais que um projecto? (e não consegui encontrar resposta nos teus artigos).
P.S. Obviamente este artigo é aberto a discussão de todos os que o queiram discutir.

2 comentários:

L. Rodrigues disse...

Quem é contra o aborto tal como aqui foi definido normalmente baseia a sua argumentação na ideia de que o ovo fecundado é já um ser completo.
Para quem é religioso, isso implica já ter alma (o que leva a questionar se um gâmeta terá meia alma...).

No caso do Tiago, creio que não é isso que está em causa, e portanto o que contará é a sequência genética única. Está ali o "projecto" para ti, e já está o indivíduo para o Tiago.

Para mim o problema desta definição "potencialista" é que ela abre caminho a que vejamos potenciais indivíduos em tudo o que são células estaminais, e em ultima análise, já que as limitações são apenas técnicas, em qualquer célula que contenha um ADN completo. Por outro lado, o facto de ser único também não me parece suficiente, já que a engenharia genética permite alterar sequências e criar individuos novos.

Ou seja, não me parece que faça sentido discutir o aborto sem a mãe, com base apenas nas caracterização do que ela tem dentro.

Stran disse...

O tiago tem uma opinião para mim desconcertante. Não se conseguindo "agarrar" objectivamente a nenhum elemento fora da sua moralidade, tem neste caso uma opinião que apenas permite que a sua seja vigente.

Eu sei que temos opiniões diferentes e inconciliáveis e julgo que isso é saudável, no entanto o que me intriga é mesmo esta posição de imposição de uma regra limitadora.

Quanto à questão que levantas, é muito complicado definir a vida dessa forma, pois então teriamos, levando ao absurdo, casos em que não poderiamos eliminar dentro de nós outras "vidas", que possam causar mau estar para nós.

Além de que claramente, a sociedade valoriza a vida da mãe em detrimento da vida do bébe. Embora esta é já uma discussão paralela...

P.S. Desculpa o atraso na resposta.