Racionalidade e emoções

Desde o inicio da humanidade que temo-nos habituado a dividir binomialmente várias questões. Não sei muito bem como começou. Possivelmente está relacionado com algo tão simples como o dia e a noite e com a simbologia que fomos atribuindo a cada uma destas partes da nossa vida.

Como animal diurno que somos é natural que o dia esteja relacionado com algo positivo e a noite com o aspecto negativo. Afinal era de dia que estavamos mais despertos, que caçavamos e nos alimentavamos, que melhor viamos o mundo à nossa volta e que nos sentiamos mais seguros, enquanto à noite tinhamos os nossos sentidos limitados, aumentando o mundo do desconhecido e ficavamos assim desprotegidos em relação aos nossos predadores, que embora não os pudessemos ver sabiamos que estavamos lá.

Julgo que é natural que este binómio tenha acompanhado a nossa evolução e religiosidade, sendo transferido para o nosso consciente e subconsciente. Muitas das divindades e deuses estavam relacionados com o Sol (o egipcio Ra, o azteca Tonatiuh, o hindu Savitr, etc. até o nosso cristão Deus está relacionado com a luz). E é antiga a dictonomia entre luz (positivo) e trevas (negativo).

Aprendemos a associar sempre a determinada dictonomia, uma carga positiva e outra negativa, um Bem e um Mal por assim dizer. E esta dictonomia tem evoluido com a própria evolução humana. Assim, existe noite e dia, que transferido para a religião (e vou dar o exemplo da cristã) deu lugar ao Deus e o Diabo, que por sua vez centralizando-se no ser humano enquanto ser religioso deu lugar à alma (simbolo de pureza) e ao corpo (objecto material dos pecados) e que por sua vez transfigurou-se, com o advento da filosofia e ciência moderna, na dictonomia racionalidade e emoções.

Se verificarmos os nossos discursos, acções e muitas vezes as nossas argumentações, vemos que à racionalidade damos uma conotação positiva (é o bem) enquanto às emoções damos uma conotação negativa (é o mal) e guiamos muitas das nossas acções nesse sentido. A construção de argumentos têm de ser racionais e muitas das vezes uma das criticas que sofremos é que estamos a tornar a questão demasiado emocional, ou a responder emocionalmente à questão, como se isso fosse negativo.

Assim construimos um mundo onde racionalidade e emoções são campos distintos, são a noite e o dia do nosso mundo, um representando o bem (sendo o herdeiro da nossa alma) e o outro representando o mal (no fundo o sucessor do corpo na dictonomia alma vs corpo). Agimos de forma a tentar obter uma racionalidade pura completamente extripada da componente emocional.

No entanto eu julgo que esta é uma falsa dictonomia, e que por ser falsa acaba por limitar em muito as nossas vidas, a nossa liberdade e mesmo a nossa felicidade. Se olharmos para o corpo humano e para a forma como tanto a racionalidade como as emoções funcionam no nosso corpo, verificamos que não são opostas mas partes integrantes de um mesmo sistema e essênciais no nosso corpo e até na nossa sobrevivência. Ao ler Damásio, Panksepp ou outros ficamos com a noção da importancia que as emoções desempenham não só na nossa sobrevivência mas também na nossa própria racionalidade sendo impossíveis de dissociar e impossibilitando assim qualquer dictonomia. Se é verdade que foi por termos a capacidade racional que pudemos fazer coisas extraordinárias (ou menos extraordinárias como escrever este blogue por exemplo) a verdade é que tudo o que pensamos, tudo o que imaginamos foi-nos fornecido pelo nosso sistema emocional.

Posto isto julgo que é profundamento errado distanciarmo-nos das nossas emoções, são elas os nossos melhores conselheiros do mundo à nossa volta e na maioria das vezes mais “racionais” que a nossa própria racionalidade!

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