Riqueza (I)

Nos próximos tempos vou-me debruçar sobre o conceito de riqueza e as suas implicações na realidade portuguesa. O meu primeiro passo consiste em separar o conceito de riqueza e dinheiro.

Será que dinheiro e riqueza são os mesmos conceitos? Muitas vezes utilizamos estes conceitos de forma idêntica (p.e. utilizamos como frases sinónimas “aquela pessoa tem muito dinheiro” e “aquela pessoa é rica”) mas para mim são conceitos diferentes.

A riqueza é, a meu ver, a capacidade que determinado indivíduo tem de consumir. Ou seja, em abstracto é totalmente independente do conceito de dinheiro. Sem consumo uma pessoa não possui riqueza. Além disso é a riqueza que está associada ao bem-estar e não o dinheiro. Vou tentar demonstrar com recurso ao absurdo:

Imaginemos um mundo onde existe um indivíduo (indivíduo A) que não tem família nem amigos, nem nunca vai ter, e não vai ter filhos ou casar, ou seja é completamente e eternamente solitário.

Imaginemos que o Individuo A recebe duas propostas de empresas para empregos idênticos para o mesmo país:

a) numa recebe 10.000 Eur mensais;

b) na outra recebe 1.000 Eur mensais;

À partida a primeira proposta é de longe a melhor proposta. No entanto se introduzir as seguintes clausulas:

a) na proposta A só fica disponível 5% do dinheiro sendo que os restantes 95% são transferidos para uma conta-poupança à ordem do Individuo A, sendo que ele só terá acesso depois de morto.

b) na proposta B fica disponível 100% do dinheiro.

Neste caso torna-se obvio que a segunda proposta é a melhor, e embora o Individuo A fique com mais dinheiro na primeira proposta, ele fica mais rico na 2ª proposta.

Posto isto, julgo que é muito importante que esta ligação esteja clara, pois é relevante para analisar algumas frases e perceber o que realmente querem dizer.

Por exemplo, à algum tempo atrás Manuela Ferreira Leite afirmou: “É necessário diminuir o consumo e aumentar a poupança”*. Traduzindo, o que a MFL afirma é que temos todos de ficar mais pobres. Em teoria, o objectivo é ficar mais pobre agora para ficar mais rico no futuro. Além de parecer um conselho que as nossas queridas avós diriam, é algo que não parece mau. O problema é a realidade portuguesa! Num país com 2.000.000 de pessoas a viver no limiar da pobreza é quase desumano afirmar que essas pessoas têm de ficar ainda mais pobres!
(continua)
* citação de memória

8 comentários:

André Escórcio Soares disse...

Apesar de quereres distinguir riqueza da quantidade de dinheiro acabaste por não fazê-lo :p

A riqueza é muito mais do que o dinheiro, tens também de ter em conta o património. Por exemplo eu tenho um porche uma casa no valor de 1 milhão de euros e ainda uma casa de férias no valor de 250 mil euros e tenho 500 € para consumo. Outro sujeito tem uma casa de 120 mil euros e um Fiat Uno e 1000 euros para consumo, o segundo é mais rico que o primeiro? Pensa nisso ;)

L. Rodrigues disse...

Caro Stran

"É quase desumano" não... é mesmo.

Creio que o seu exemplo é demasiado extremo. Dinheiro depois de morto é valor de que não se usufrui. Talvez não seja preciso chegar a tanto.

A economia comportamental demonstrou já que de uma forma geral as pessoas tendem a descontar o futuro. Ou seja, preferem ter alguma coisa já do que a promessa de ter mais depois.

Isso pode não parecer racional economicamente, mas se pensarmos um pouco só é irracional se podermos prometer ao individuo que não morre já amanhã.

Stran disse...

Oi André,

Tens toda a razão. Mas fica para o próximo artigo. Um pista: para mim dinheiro é simplesmente um tradutor.

Quanto ao exemplo que deste. Repara que não foi por acaso que coloquei o exemplo na perspectiva do mesmo individuo.

No teu caso tens que reparar que:

- o primeiro individuo embora tenha só 500 eur mensais tem um consumo muito maior. Por exemplo imagina que usufrui por ano 335 dias de carro e de casa e 30 dias de casa de férias, e imagina (para simplificar as contas) que só tem um ano de vida. Neste cenário o consumo mensal dele é 78779,68 Eur.

- no caso do 2º individuo o consumo mensal é de 11.166,67 Eur.

Como vês e empiricamente deduzes o primeiro individuo é mais rico que o 2º e na realidade é e tem um consumo também muito superior.

Stran disse...

Oi l.

Desculpa ainda não ter respondido no teu blogue, estou sem muito tempo, mas assim que tiver responderei com calma.

Pode tratar-me por "tu", pessoalmente até prefiro ;)

Quanto ao exemplo, sim é extremo e foi com essa intenção para que não existisse duvidas de ~mesmo tendo posse não podias usufruir (e foi por isso também que não tem filhos, por que senão ele entraria em linha de conta com isso).

"...se podermos prometer ao individuo que não morre já amanhã."

Eu não acredito em Deus, mas julgo que seria o unico a poder garantir isso, e ele é demasiado timido para aparecer por cá e fazer essas promessas...

André Escórcio Soares disse...

Fico então à espera dos próximos ;)
Até porque há certas coisas que estou à espera que refiras, mas não quero adiantar para não estragar a surpresa ;)

Stran disse...

"Até porque há certas coisas que estou à espera que refiras..."

Epá agora fiquei com pressão. E se o que digo te desilude? Comigo é melhor não teres expectativas elevadas :)

E ainda por cima tenho de dizer que ainda não é no próximo mas sim no 3º em principio. Mas vou tentar que sejam hoje escritos...

ml disse...

Comigo é melhor não teres expectativas elevadas

Ora essa!

Stran disse...

"Ora essa!"

És muito simpática! :)

Bem o 2º artigo já saiu, espero que gostem.