Orçamento 2010

Devido a uma dose cavalar de trabalho só tenho ouvido muito por alto as noticias e os comentários. O que até tem uma vantagem: uma pessoa sempre consegue relativizar melhor as coisas quando não está tão dentro da discussão. Bem, adiante...

Daqui a uma hora vai ser apresentado mais um orçamento. Do que tenho ouvido nada de interessante e inovador irá ocorrer. Uma vez mais vai ser entregue um documento que dirá muito pouco aos cidadãos. Continuaremos na ignorância sem saber muito bem onde são gastos tantos milhões. Será também o confirmar de que este ano não existem aumentos e que o deficit, caso não ocorra nada de excepcional, continuará igual.

Claro que, como muita gente vive à volta da cena politica, lá virão os discursos de que isto vai de mal a pior, que o mundo (mais concretamente Portugal) está à beira do colapso, etc...

De tudo o que tenho ouvido o que eu acho mais interessante é o facto de quem pede contenção de despesa normalmente e muito provavelmente é quem não perderá o seu poder de compra (arriscando-se mesmo a aumentá-lo). Gostava de uma vez por todas ver as pessoas que falam em cortes salarias, eles próprio fazerem isso no seu ordenado. Dentro da mesma linha vem o já tipico "vivemos acima das nossas posses".
Ora eu não sei muito bem a quem se referem, quando no nosso país existem 2.000.000 de pobres ou no limiar da pobreza. O que é que será para estas pessoas viver acima das suas posses? Eu posso estar enganado mas parece-me que, se existe alguém a viver acima das suas posses, são exactamente as pessoas que afirmam que "vivemos acima das nossas posses", pelos menos serão elas que terão capacidade para tal pois os outros vão sobrevivendo como podem...

Sociedade perturbada

Hoje saiu um artigo no P2 do publico que chamou a minha atenção. O tema era a transexualidade. A transexualidade é algo que me faz muita confusão. Explicando melhor, faz-me muita confusão que seja um tema. Honestamente nunca percebi qual o problema de uma pessoa assumir a sua identidade, seja ela a que for. Porque raio é que uma pessoa tem de ser "homem" ou "mulher"? Uma pessoa é uma pessoa e é o que a sua bio-quimica determina e o que a sua vontade desejar.

No entanto fiquei chocado logo no texto inicial que era o seguinte:
"Eles querem usar saias e cabelos compridos. Elas escolhem cortar os cabelos e vestir só calças. Não dizem que querem ser de um sexo diferente. Insistem que são de um sexo diferente. São crianças com perturbação de identidade de género"

Mas que raio de sociedade é que chama a esta descrição uma "perturbação de identidade de género"? Parece-me que quem é perturbada não são estas crianças mas sim a sociedade em que as mesmas estão inseridas.

Talvez seja só eu, mas alguém já tinha imaginado que isto é considerado uma doença do foro psicológico?

Cansado de gente bonita...

Foi noutro dia, no meio de uma rua movimentada da nossa capital, que me apercebi do que me tem causado desconforto nos ultimos tempos. Não um desconforto forte e visível, antes um desconforto subtil e invisível.

À minha volta apenas se encontravam gente bonita, estranhamente bonita. Foi um choque olhar à minha volta e ver tudo perfeito. Toda a gente maquilhada, bem maquilhada, com os seus cabelos arranjados e dentes perfeitos e brancos. Vestidas perfeitamente, sem nenhuma roupa que não combinasse, que não fizesse parte de um todo. A minha volta só via perfeição e no entanto era essa perfeição que me feria. Tudo muito bem enquadrado, tudo demasiado bonito.

Ainda procurei uma imperfeição, algo que não fosse tão bonito, tão perfeitamente criado. Não encontrei.

Talvez há uns tempos atrás não teria escrito este post, mas honestamente cansei-me de gente bonita. Prefiro algo real...

Feminismo

Sempre tive dificuldade em entender que se afirma como não sendo feminista. Afinal ser-se feminista é somente ser a favor dos direitos humanos e da sua aplicação universal a qualquer indivíduo.


Eu nem consigo imaginar como terá sido à 35 anos atrás. Refere a noticia que foram insultad@s por cerca de 3.000 homens. Impensável nos dias que correm e ainda bem. No entanto, não é por ser menos visível que os problemas diminuiram. Hoje tudo é mais invisível e por isso mais difícil de combater. É uma discriminação latente mais que uma discriminação presente. Ela deriva de acesso a cargos de poder, de forma de raciocinar, de um conjunto de pequenos gestos e acções, fruto da nossa cultura que estão no nosso dia-a-dia e que fazem que, infelizmente, a realidade de uma mulher ainda seja normalmente diferente da realidade de um homem.

Pessoalmente ambiciono por um futuro em que já não seja possível escrever, com algum sentido lógico, a frase com que terminei o ultimo parágrafo. Que cada individuo seja livre para ser o que bem entender e que isso parta da escolha do individuo e não das regras de sociedade externamente impostas.

P.S. É a segunda vez que leio que uma famosa "queima de soutiens" na realidade não existiu (o mesmo ocorreu nos USA). É impressionante a capacidade orwelliana de transformar uma ficção em realidade por quem domina uma sociedade.

No-mad: Berlim

Ainda antes de aterrar já estava nervoso. Ou melhor ansioso. Como será a cidade? Será que vai superar as minhas expectativas? Como me vou desenrascar nesta cidade? Eram estas as dúvidas que preenchiam os meus pensamentos quando o avião começou a perder altitude.

Passado uns momentos, o avião abordou a pista de aterragem e pouco tempo depois já tinhamos aterrado. Assim que parou, a maior parte dos passageiros saltou do seu banco, como que impulsionados por uma mola invisível. Eu deixei-me estar. Queria sair sem pressas, com a capacidade de desfrutar todos os momentos, particularmente o de saída do avião. Gosto das primeiras sensações que nós saboreamos ao sair do avião - a brisa, os sons, o cenário por detrás do aeroporto, o próprio aeroporto e a sua organização - ou traduzido por outras palavras, gosto de saborear todos os momentos que nos dizem que a nossa viagem está a começar.

Após a saída da primeira vaga de passageiros levanto-me, vou buscar a minha mala e dirijo-me para a saída. A primeira sensação que me invade é o de uma brisa gélida, terrivelmente gélida. Afinal era verdade o que diziam de Berlim em Dezembro. Enquanto desço pelas escadas vejo que tenho que andar um pouco pela pista até chegar ao aeroporto. Tudo muito bem sinalizado, diria mesmo impecavelmente sinalizado. Não esperaria menos de uma cidade alemã. A primeira surpresa ocorre quando reparo no aeroporto, que não é tão grande como imaginaria. Sigo então a fila e a escadarias que me guiam à saida.

A minha viagem começa realmente neste percurso. Escolhi Berlim pelo seu presente (cidade com um movimento underground invejável) e pelo seu passado. Esta cidade é para mim o simbolo do século XX europeu e ocidental. Foi nesta cidade que se discutiu, e se moldou, muito do que é o nosso presente. Foi o palco de dois dos regimes mais brutais que a humanidade conheceu (o nazismo e o comunismo) e palco simbólico da luta entre a democracia liberal e o comunismo ditatorial. E é a este comunismo que o aeroporto apela.

Ao caminhar pelos seus corredores, quase que tenho a sensação de estar ainda nessa fase desta cidade. Os seus corredores despidos e racionais, semi-nus de publicidade, fazem-me transportar para um mundo que nunca vi, que apenas tinha imaginado, e que este aeroporto teve o condão de o tornar realidade. Foi assim que, caminhando pelos corredores deste aeroporto, iniciei a minha viagem.

Sem rede...

Hoje escrevo sem rede, isto é, escrevo sem ter qualquer intenção que não seja apenas o de escrever o que me vier à cabeça. Não sei muito bem porque o faço, apenas sei que o faço. Por vezes estou assim, sem motivo aparente de ter algo para escrever mas com uma vontade, superior a mim mesmo de o fazer.

Na maioria das vezes faço-o num ficheiro word, e depois apago-o. Assim é um pensamento, um desabafo que nunca chega a existir. Desta vez é diferente, não me apetece escrever algo que não tenha uma existência, que não fique registado. Sei que o que escrevo certamente não será lido, apenas será um conjunto de caracteres que ficarão registado nestas paredes de gruta modernas a que chamamos internet. Será que algum dia isto será um fóssil, e um ser humano de uma era futura terá a capacidade de ler o que estou a escrever? E conseguindo decifrar o que imaginará? Será que conseguirá apreender o que é isto que escrevo? Certamente tentará enquandrar com os valores e as realidades que serão o seu presente e se calhar estas dúvidas que coloco aqui não lhe farão nenhum sentido. Nesse caso ele apenas terá a capacidade de distinguir os caracteres que escrevo nada mais, o resto, o que realmente importa - o conteudo - estará ausente.

E se isso acontecer será sem dúvida um optimo paralelo com a realidade que vivemos agora, demasiada distraida com as formas - os caracteres - e menos com o seu significado - com o conteudo.

Não sei muito bem se o que escrevo faz algum sentido, também não saberei até voltar a reler num futuro próximo, pois é assim que faço quando escrevo sem rede, simplesmente escrevo e não olho para trás. Por vezes quando escrevo assim nem sou eu que escrevo, mas sim o meu inconsciente. Eu fico simplesmente a olhar para o teclado e a admirar as minhas mãos a executarem a tarefa de escrever estas palavras.

Será que terá algum sentido o que escrevo? Não sei, mas não ficarei triste se não fizer ou se a pessoa que ler isto pensar para si "que péssimo texto", afinal nada disso me importa quando escrevo sem rede...

E como será viver sem rede?

Primitivos Sentimentos

Vivemos sem dúvida uma era moderna. E como todas as eras modernas, esquecemo-nos das nossas condições mais básicas e instintivas. Quase tudo o que fazemos ou defendemos tem uma justificação racionalizada, tem de ser apoiada por uma teoria qualquer inventada e também ela racionalizada.

No entanto ao entrarmos num processo de extrema racionalização, própria de qualquer era moderna, afastamo-nos de nós próprios e dos nossos instintos. Até Freud, ser-me-ia muito dificil escrever este artigo, afinal o inconsciente era algo inexistente e antes de Darwin seria considerado um herege pois o ser humano não era um animal mas sim criado à imagem de Deus.

No entanto, e felizmente vivo numa era pós-Darwin e pós-Freud, para muitos não será estranho imaginar que por vezes as nossas acções não são controladas pelo nosso consciente e que derivam em algo mais básico, mais instintivo.

E o que é válido para as nossas acções também é válido para as nossas posições. E enquanto no primeiro caso (acções) eu diria que somos acompanhados por outros animais, o segundo (a consciencia das nossas posições) torna-nos únicos, pelo menos pelo grau de complexidade que conseguimos colocar numa determinada posição defendida.

No entanto, tal não invalida que o mesmo tenha um enraizamento profundo nos nossos mais primitivos sentimentos. Eu diria que dois deles são sem dúvida a segurança e a liberdade. Dois sentimentos demasiadas vezes conflituantes. Enquanto o primeiro nos impele a construir muros e nos aprisiona dentro dos mesmos, o segundo impele-nos a quebrá-los e procurar descobrir o que existe fora desses muros.

E estes dois movimentos, provavelmente existentes desde que existe humanidade, são também aqueles que estaram presentes durante a próxima semana, aquando da discussão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora coberto por palavras e teorias racionalizadas, tudo se resumirá à vontade de uns de instrumetalizar o medo e a insegurança para que sejam fortalecidos muros, neste caso muros mentais, e a vontade de outros para que esses muros, que não nos protegem de nada a não ser das nossas próprias fobias, sejam definitivamente derrubados!