Primitivos Sentimentos

Vivemos sem dúvida uma era moderna. E como todas as eras modernas, esquecemo-nos das nossas condições mais básicas e instintivas. Quase tudo o que fazemos ou defendemos tem uma justificação racionalizada, tem de ser apoiada por uma teoria qualquer inventada e também ela racionalizada.

No entanto ao entrarmos num processo de extrema racionalização, própria de qualquer era moderna, afastamo-nos de nós próprios e dos nossos instintos. Até Freud, ser-me-ia muito dificil escrever este artigo, afinal o inconsciente era algo inexistente e antes de Darwin seria considerado um herege pois o ser humano não era um animal mas sim criado à imagem de Deus.

No entanto, e felizmente vivo numa era pós-Darwin e pós-Freud, para muitos não será estranho imaginar que por vezes as nossas acções não são controladas pelo nosso consciente e que derivam em algo mais básico, mais instintivo.

E o que é válido para as nossas acções também é válido para as nossas posições. E enquanto no primeiro caso (acções) eu diria que somos acompanhados por outros animais, o segundo (a consciencia das nossas posições) torna-nos únicos, pelo menos pelo grau de complexidade que conseguimos colocar numa determinada posição defendida.

No entanto, tal não invalida que o mesmo tenha um enraizamento profundo nos nossos mais primitivos sentimentos. Eu diria que dois deles são sem dúvida a segurança e a liberdade. Dois sentimentos demasiadas vezes conflituantes. Enquanto o primeiro nos impele a construir muros e nos aprisiona dentro dos mesmos, o segundo impele-nos a quebrá-los e procurar descobrir o que existe fora desses muros.

E estes dois movimentos, provavelmente existentes desde que existe humanidade, são também aqueles que estaram presentes durante a próxima semana, aquando da discussão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora coberto por palavras e teorias racionalizadas, tudo se resumirá à vontade de uns de instrumetalizar o medo e a insegurança para que sejam fortalecidos muros, neste caso muros mentais, e a vontade de outros para que esses muros, que não nos protegem de nada a não ser das nossas próprias fobias, sejam definitivamente derrubados!

4 comentários:

ml disse...

vontade de uns de instrumentalizar o medo e a insegurança

Essa é que não entendo mesmo. Por que é que o casamento de duas pessoas, um acto banal, quotidiano, que apenas interessa aos dois envolvidos, às famílias e amigos, pode provocar medo e insegurança, é para mim um mistério.

Não estarás enganado e a falar do muro em volta da Palestina?

Stran disse...

Oi ML!

"Não estarás enganado e a falar do muro em volta da Palestina?"

Nop, é mesmo do medo da incerteza e a insegurança que esta mudanças provoca nas pessoas.

Uma das reacções que tive no meio destas discussões foi: "O que é que eu vou dizer ao meu filho?"

Para muitos não é um acto banal, eu diria porque confronta directamente a sua forma de ver o mundo.

As pessoas gostam de viver num mundo simples com conceitos simples que são criados principalmente no inicio da sua vida, ora o casamento entre pessoas do mesmo sexo pode ser demais para algumas mentes computarem...

ml disse...

Admito que seja assim, mas não tenho encontrado muita gente dessa. Motivos morais e religiosos, sim, mas realmente as coisas andam misturadas.

Mas olha que, no geral, a reacção até nem foi de grande monta, para já e aparentemente os portugueses estão a reagir com a manha habitual, ‘quero lá saber’. Ou ainda em estado de torpor... LOL!

Em Espanha a igreja organizou manifestações que arrastaram multidões, aqui o patriarca disse que não devia envolver-se naquilo que compete ao parlamento. E realmente é esperto, se passam a vida a afirmar que o casamento civil não é válido aos olhos de Deus, não têm que meter-se na regulamentação do pecado.

Stran disse...

O povo é sereno :)

Em Portugal existe sempre uma forma muito tipica de fazer as coisas - um portuguese way. Mesmo assim a Igreja anda bem mais "atrevida" que há uns anos atrás.

Julgo que a reacção não foi muito grande dada a dificuldade de argumentação, o que é bom sinal.

"E realmente é esperto, se passam a vida a afirmar que o casamento civil não é válido aos olhos de Deus, não têm que meter-se na regulamentação do pecado."

É verdade! :)