Quotas nas listas eleitorais

O Tiago Ramalho e o Henrique Raposo escreveram um artigo sobre este tema. Adoptaram a atitude clássica de quem é contra este sistema. E tenho de admitir fizeram-no de uma forma sólida nos seus artigos, no entanto escapou-lhes um pequeníssimo pormenor, a lei e o tema, ao contrário do que apontam não é: “a questão das quotas de mulheres”. Para isso bastava-lhes ler o famoso decreto:

“Os candidatos de cada lista consideram-se ordenados segundo a sequência da respectiva declaração de candidatura, a qual, para cumprimento do disposto no número anterior, não poderá incluir mais de dois candidatos do mesmo sexo de forma consecutiva”

Ou seja a ironia neste caso é que ao definirem a temática dessa forma acabaram por desmontar todas suas brilhantes argumentações. E acabam por reflectir o mais claramente possível de como este problema (vivermos ainda numa sociedade segregada) será muito difícil de contornar. Pois ele está dentro de nós e da forma de vermos a realidade. Ainda não pensamos em seres humanos mas sim em homens e mulheres. E neste processo o grupo dominante acaba por transformar um grupo de pessoas num “Outro” externo a si mesmo e dessa forma nunca permitirá a integração desse “Outro” nos processos próprios do grupo dominante.

Depois julgo delicioso o argumento “evolucionista” da resolução deste problema. Isto não só demonstra uma fé enorme no futuro como acaba por demonstrar uma atitude de laissez faire quanto ao problema que existe. Eu por mim também tenho uma teoria “evolucionista” muito própria de resolução dos problemas. Julgo que todos nós derivamos de dois “macacos”: a) o que inventou o fogo e b) o amigo dele. E tudo começou quando o “macaco” A, pensando numa forma de ultrapassar os seus problemas comentou:

- Oh macaco B, não achas que seria porreiro conseguirmos criar fogo?
- Era fantástico…
- Então vamos tentar arranjar uma forma de o fazer…
- Deixa-te disso macaco A, se for para conseguirmos criar fogo iremos naturalmente evoluir dessa forma…
- Hmmm, bem se não quiseres ajudar então fica aí, que eu não vou ficar à espera…

Julgo que todos sabemos como acabou esta história...

---------------------------------------------------------------------------

Duas notas finais:

1) E qual a relação deste tema com as eleições europeias? Primeiro porque estas são as primeiras eleições em que isto está em vigor, segundo porque pela atitude que cada partido tem sobre esta temática poderemos aferir da competência do mesmo partido. Uns não se preocuparam com a qualidade das suas listas e irão preencher os requisitos mínimos apenas para cumprir a lei, enquanto outros terão essa preocupação e este tema nem será um problema sequer.
2) Como não gosto de criticar determinada posição sem expor a minha (pois seria uma atitude a meu ver cobarde), deixo aqui a minha opinião sobre esta temática. Por princípio sou contra quotas, no entanto como sou pragmático julgo que se existe um problema e se essa é a única forma de criar um incentivo (mesmo que artificial) então provisoriamente deverá ser implementado. Ou seja, no contexto actual português, as quotas são um mal necessário que deve ser sempre de natureza temporária.

2 comentários:

TMR disse...

Stran,

a lei pode dizer isso, mas sabemos a quem é dirigida. foi feita uma lei de excepção e não vale de nada escondê-lo.

quanto à alegoria que usas no final, julgo que é falaciosa, como quase todas as alegorias. eu não defendo que não se faça nada: na sociedade civil deve haver (há) organizações que dêem a conhecer mulheres participativas, deve haver mulheres que, caso queiram entrar na política, se afirmem (temos vários casos, tanto à esquerda como à direita). apenas acho que as mulheres não podem ficar à espera que os homens, cavalheiros, lhes abram a porta e lhes dêem o seu lugar. é mau estarmos como estamos, mas a mudança só será a) sustentável e b) legítima se for feita de uma forma natural, através de uma sensibilização e consciencialização da sociedade para o papel das mulheres (não através de organismos públicos, mas de organizações privadas).

e, mais um acrescento àquilo que serão as nossas discussões futuras, rejeito o pragmatismo como doutrina. julgo-o perigoso, tal como o utilitarismo, e só o utilizo em casos extremos, quando a razão esbarra na realidade.

abraço

Stran disse...

Pois mas se isso acontece é porque existe uma efectiva segregação e discriminação. Que para mim é algo superior a outra coisa qualquer.

Mas embora tenhamos abordagens diametralmente opostas a este problema, numa coisa ambos concordamos: as mentalidades não se mudam por decreto.

No entanto pode ajudar e muito. Situações como estas servem para obrigar as pessoas (neste caso os partidos) a mexerem-se e a fazerem as mudanças dentro de uma geração. É que problemas como estes senão são resolvidos numa geração todo o trabalho é ou pode ser perdido (aliás neste caso a tendência é que seja mesmo perdido).

Já agora esta mudança será sempre feita de forma natural (com ou sem decreto), o que acontece é que será maior essa mudança e dessa forma mais sustentavel.

Outro beneficio que este decreto trará é dar curriculo a pessoas que de outra forma não o teriam (pelo simples facto de serem de um determinado sexo) e nesse sentido é também um empurrão para resolver esse problema.

Mas como tu dizes, não resolve o problema, apenas é uma ferramenta na resolução do problema, e quanto mais "ferramentas" melhor!

Quanto ao pragmatismo fiquei mesmo muito curioso para debatermos mais aprofundamente esse tema. É que eu sou um utopico pragmatico pelo que parece-me que vamos discordar em muitos temas (o que é extremamente positivo).

Duas notas finais:

- és machista, não à que escapar a isso, aliás como eu também o sou. A nossa educação foi machista e por tanto está intrinseca ao nosso pensamento, compete-nos fazer o máximo possível para que as próximas gerações não o sejam.

- MUITO OBRIGADO por não só teres dado ao trabalho de ler como também de comentar.

Abraços

Stran