Irão para onde?

Há uns anos anos atrás quando “olhava” para o Irão via um país de fundamentalistas e extremistas Islâmicos. Para mim Khomenei era a imagem de qualquer Iraniano e todas as mulheres andavam de Burqa. Isso era o Irão para mim, mas depois um filme mudou por completo a minha visão deste país e despertou o meu interesse que até aí era superficial. Falo obviamente de Persepolis. Ora tudo o que se passava nesse filme não se enquadrava na imagem que eu tinha criado desse país. Aliás a própria existência desse filme e dessa história seria uma impossibilidade caso a minha anterior imagem tivesse correcta.

Obviamente, curioso como sou fui tentar conhecer melhor o país e os seus habitantes. E encontrei uma imagem completamente diferente daquela que tinha criado anteriormente. O Irão não é um país qualquer, nem no mundo, nem naquela região. É um país historico e com uma cultura milenar, um mosaico de tendências e visões e um verdadeiro melting pot do mundo muçulmano. E em termos politicos consegue também ser muito original, pois é ao mesmo tempo uma teocracia e uma democracia. Aliás se aprofundarmos o sistema politico iraniano rapidamente verificamos que na forma não é muito diferente da nossa, sendo que o papel que nós damos aos juizes eles dão aos mullahs (o que faz toda a diferença, mas que é natural numa teocracia).

Mas estas contradições não terminam aqui, pois sendo um regime muito severo e tradicionalista, é também o país muçulmanos em que existem mais ONG que defendem a igualdade entre as mulheres.

Posto isto chegamos então ao presente e facilmente verificamos que estas manifestações não são fruto de algo espontaneo, mas fruto de uma cultura forte e de um passado recente de um crescimento do pensamento liberal (não no sentido economico desta palavra) dos mais jovens. As eleições foram apenas o rastilho para o que já se sentia há muito tempo, uma separação crescente entre fundamentalistas religiosos e uma parte da população mais liberal.

O choque era inevitável e está acontecer. No entanto para quem está de fora, este tema é muito sensível, pois se é verdade que neste momento luto pelo sucesso dos protestantes (que muito provavelmente teriam a capacidade de tornar o Irão num país muito importante a nível internacional) mas sei também que os países e os seus líderes não poderão fazer muito sob pena de retirar força aos protestos e protestantes.

Resta-me apenas esperar que tenham sucesso e não deixar de escrever a minha admiração por quem, sob pena de morte, tem a coragem de ir para a rua e lutar pelo que acha justo, por um país mais livre e democrático. Possivelmente estamos a assistir a um marco histórico, mas como tudo nesta vida ainda são as incertezas que marcam a actualidade.

Se é certo que o Irão poderá tornar-se numa sociedade mais aberta e livre, também é verdade que o actual regime ainda conta com muitos apoiantes, pelo que ainda não se sabe para onde penderá o fiel da balança. Resta-me apenas questionar: Irão para onde?

8 comentários:

ml disse...

Pois para onde irão, não se sabe para já. A recontagem, contestada pelos que protestam, reconfirmou o Ahmadinejad.
What now?

Dentro dos países muçulmanos autoritários o Irão é dos menos duros, se a classificação se pode aplicar a tal regime. Ali ainda se vêem as mulheres na rua a protestar para a par com os homens, o lenço a fugir dos cabelos, o rosto maquilhado, a exercer profissões e praticar desporto, na Arábia Saudita e outros afins as mulheres são inexistentes. Estas nunca conheceram outro modo de viver, a força dos e das ‘protestantes’ do Irão é a recordação de outra vida que já tiveram, e a consciência de que a situação actual é um retrocesso mas não é irreversível.

Horrorizam-me aqueles conciliábulos de religiosos a arquitectar teorias inflexíveis sobre as mulheres e a vida. O Vaticano faz o mesmo, mas ao Papa só liga quem quer, não tem poder para impor nada e o desrespeito pela doutrina é generalizado.

Os equilíbrios na região é que irão decidir a prazo o futuro do Irão, penso eu, e pouco transpira sobre a intensa actividade de bastidores. Por um lado, uns querem um Irão forte porque é um país muçulmano a fazer frente a Israel e aos EU. Por outro, querem-no fraco, para não se sujeitarem à proeminência de uma cultura não árabe e nuclear. E para estes, segundo se diz por aí, o Ahmadinejad é um verdadeiro seguro de vida, a garantia de que o Irão nunca terá as boas graças e apoio dos EU e do ocidente, o que convém também a Israel e à Arábia Saudita, ciosos da sua proximidade exclusiva.

Apetecia-me dizer ‘eles que são brancos que se entendam’ mas não posso, hoje não há ‘eles’ e ‘nós’, estamos todos atados uns aos outros.

Ricardo Ferreira disse...

Por acaso, o Irão é governado por um regime sui geniris.

Pode-se dizer que é uma democracia autoritária, que neste momento se encontra entre uma maior liberalização dos costumes e uma manutenção das amarras conservadoras.

Claro que isto está a ser feito à custa do sofrimento das pessoas.

André Escórcio Soares disse...

No outro dia vi um documentário sobre este país, o país das flores e dos poetas, e parece-me que o descreves muitíssimo bem. É uma pena o povo iraniano estar a viver num regime teocrático e bastante repressor, julgo que o Irão e o povo Iraniano têm muito para dar ao mundo. É um país que eu certamente gostaria de visitar pela sua riqueza histórica e cultural... Talvez um dia, quando o regime mudar.

EJSantos disse...

Olá Stran.
Por isso detesto ditaduras. Uma ditadura consegue fazer vir ao de cima o que há de pior na Alma de um povo.
Uma ditadura governa mal e aniquila a economia de um País.
Uma ditadura esmaga os intelectuais e as forças criadoras de um País.
O que se passa no Irão é uma tragédia. Temo que o pior ainda está para vir.

Stran disse...

ML,

"What now?"

Bem agora parece-me que se fosse um regime "racional" repetia as eleições, mas parece-me que poderá existir em breve uma "guerra" civil ou um "25 de Abril" à Iraniana.

"Dentro dos países muçulmanos autoritários o Irão é dos menos duros, se a classificação se pode aplicar a tal regime."

Concordo, embora cada vez mais é visivel a separação entre Iranianos e regime. Aliás tenho a sensação que actualmente o regime sequestrou os Iranianos.

Já agora, reparaste que os americanos demoraram 8 anos a "tirar" o Bush de lá enquanto os iranianos, a crer pelas demonstrações, preparam-se para corrigir o seu erro em apenas 4?

"Horrorizam-me aqueles conciliábulos de religiosos a arquitectar teorias inflexíveis sobre as mulheres e a vida."

O que eu acho interessante no Irão é que já começam a existir bastantes clérigos a tentar demonstrar o contrário, que o Islão e as mulheres não são incompativeis e que muita fundamentação dos movimentos femininos têm fontes na religião (o que revela a inteligência nos mesmo).

"Por outro, querem-no fraco, para não se sujeitarem à proeminência de uma cultura não árabe e nuclear."

Tens toda a razão.

"Apetecia-me dizer ‘eles que são brancos que se entendam’ mas não posso, hoje não há ‘eles’ e ‘nós’, estamos todos atados uns aos outros."

Esta é a mais pura das realidades! (embora invisível para alguns)

Stran disse...

Oi Ricardo!

"Pode-se dizer que é uma democracia autoritária, que neste momento se encontra entre uma maior liberalização dos costumes e uma manutenção das amarras conservadoras."

Pessoalmente julgo que é um regime estranhamente parecido ao americano, que tal como o mesmo é cheio de contradições!

Stran disse...

" É um país que eu certamente gostaria de visitar pela sua riqueza histórica e cultural... Talvez um dia, quando o regime mudar."

Mesmo que não mude irei lá! Embora preferisse que a mudança para melhor existisse antes! O país começa a ser uma paixão para mim e não será a primeira "ditadura" que visitarei e provavelmente não a ultima...

Stran disse...

Olá EJSantos,

" Uma ditadura consegue fazer vir ao de cima o que há de pior na Alma de um povo."

...mas também o melhor!

Também detesto ditadura, pelo que não seja porque gosto muito da liberdade de ser do contra :)

"O que se passa no Irão é uma tragédia."
concordo