Entrevista: Miguel Duarte



Tal como prometido, publico hoje a entrevista com Miguel Duarte, Presidente do Movimento Liberal Social. Gostava desde já agradecer publicamente a atenção e tempo disponibilizado para a concessão desta entrevista que julgo ser interessante para a compreensão não só do Movimento Liberal Social, como do próprio Liberalismo em Portugal.




Sem corte nem acrescentos segue a entrevista:






"Tuga (T) - Peço-te que faças uma breve descrição do teu percurso:

Miguel Duarte (MD) - O meu interesse pela política despertou cedo, diria que nos primeiros anos em que comecei a ler, pois recordo-me de, desde muito pequeno, ler atentamente a secção de Economia e de Política do Expresso que o meu pai comprava e que na altura, era quase maior que eu. Mais tarde, já no 11º, liderei uma lista, que venceu as eleições à associação de estudantes do Colégio Valsassina, onde estudava.

O político que mais me marcou nesses primeiros anos de contacto com a política, foi Cavaco Silva, que admiro pela coragem que teve nos seus governos de muitas vezes tomar medidas que não eram populares, mas que eram necessárias. Aos políticos mais recentes da história do nosso país, talvez por falta de convicções ideológicas e dependência face à profissão de político, falta muitas vezes a força e coragem para implementar medidas que sendo necessárias e benéficas no longo prazo, não são as mais populares no curto prazo. Quem fica a perder no fim, é o país.

Apesar desta simpatia, nunca me envolvi a sério em nenhum partido político, por não me rever politicamente em nenhum. Desde muito novo já era um liberal, mas simplesmente não o sabia. Só descobri que era um liberal, quando aos meus 23 ou 24 anos dei com o site da LYMEC (Juventude Liberal Europeia), com o qual me identifiquei imediatamente em termos de princípios. Foi um daqueles momentos em que tudo se ilumina e descobrimos que não estamos sozinhos. Para grande sorte minha, e do liberalismo em Portugal, pouco depois de aderir à LYMEC, aderiram também outras duas pessoas a residir em Portugal, que viriam a constituir o núcleo fundador do Movimento Liberal Social. Nestes anos que antecederam a criação do MLS, a LYMEC foi para mim uma escola, graças ao seu fórum de discussão e aos encontros e seminários internacionais que promove.

O MLS surgiu após alguns anos de tertúlias esporádicas, com outros membros da LYMEC e devido precisamente à nossa insatisfação com a política nacional. A um liberal em Portugal é muito difícil decidir em quem votar. Ora, se não existem alternativas, cabe aos cidadãos criá-las.




(T) - Como é a recepção das pessoas na criação do movimento?


(MD) - Não existe "uma reacção". Existem pessoas que nos odeiam, no verdadeiro sentido da palavra, sendo que neste caso muitas vezes é pura e simplesmente pelas razões erradas. O clubismo político de algumas pessoas e o ódio à palavra "liberalismo" que nem sabem na realidade o que significa é por vezes impressionante. Mas existe também o oposto, pessoas que acham que é necessário um partido liberal em Portugal, e até pessoas que de imediato se revêem nos nossos princípios e afirmam ser precisamente isso que lhes estava a faltar. Ou seja, precisarem de um partido político com as nossas ideias para votarem


(T) - Sendo que a palavra Liberal está erradamente associada ao PP, como é que achas possível transmitir correctamente a mensagem do teu movimento sem uma leitura enviesada da mesma?

(MD) - Infelizmente existe de facto essa associação errada de liberalismo a conservadorismo, quando liberalismo é oposto, quer do conservadorismo, quer do socialismo. A única forma de corrigir a situação é ir explicando às pessoas (e aos jornalistas) o que é o liberalismo e explicar as diferenças face às outras duas ideologias.


(T) - Qual tem sido a taxa de crescimento do MLS?

(MD) - Em 2 anos passámos de 3 fundadores para 110 membros.


(T) - Quantos membros tem o MLS? Quantos activos (ou seja que participam directamente na acção do movimento)?

(MD) - Se medirmos a nossas actividade pelas Assembleias-gerais, na última tivemos cerca de 30 pessoas.


(T) - Quais são os meios do MLS?

(MD) - Exclusivamente as quotas dos sócios e eventuais donativos.


(T) - Qual a previsão do MLS para se tornar partido?

(MD) - No longo prazo. Diria que um horizonte de 10 anos. Infelizmente a democracia portuguesa não é propriamente muito saudável. Não no acto de criar o partido em si, mas sim, na manutenção do partido, devido às elevadas multas que o Tribunal Constitucional cobra anualmente a todos os partidos (sem excepção - logo algo certo - a lei de financiamento dos partidos políticos está mal feita). Se a um grande partido, que recebe subsídios do Estado, é fácil pagar 200.000 € de multa (recebeu muito mais de subsídio), já a um pequeno partido, que nada recebe do Estado, é impossível pagar 20.000 € de multa.

A agravar a situação, no caso de o partido não pagar a multa, é possível que o Tribunal Constitucional tente cobrar os valores em dívida ao património dos dirigentes da organização política. Infelizmente a população em geral não tem a mínima noção do estado em que está o nosso sistema político.

A maior parte dos partidos políticos tem uma dívida enorme ao Estado e não tem o número mínimo de membros exigido por lei. Mas à boa maneira portuguesa, deixa-se a coisa andar, não se fazendo cumprir a lei, nem se alterando a lei por forma a que seja algo razoável, que possa funcionar. Por isso, concretamente, para sermos partido político, teremos que ter capacidade financeira para podermos pagar as multas que a lei mantendo-se como está, teremos que necessariamente pagar. No entanto, estamos a preparar-nos para concorrer como cidadãos independentes já às próximas eleições locais.


(T) - Que acções politicas o MLS já participou e quais as que promoveu?

(MD) - O MLS participou activamente na campanha pelo Sim, no referendo do aborto (lançámos um site Internet, promovemos debates, colocámos cartazes, fizemos filmes para o Youtube) e mais recentemente colaborámos na campanha internacional "europeanreferendum.eu" que promovia um referendo à escala europeia para a "Constituição"Europeia.


(T) - Achas que Portugal está preparado sociologicamente para um partido liberal?

(MD) - Entre os mais jovens sem dúvida alguma. Existe uma grande percentagem de jovens que é liberal, no sentido em que defende maiores liberdades individuais (devido à sua maior abertura) e defende em simultâneo as liberdades económicas (onde se inclui a economia de mercado).


(T) - Quais são os maiores obstáculos ao liberalismo em Portugal e como ultrapassa-los?

(MD) - O maior obstáculo relativamente à criação de um partido (liberal ou não) é o sistema político que foi criado em Portugal após o 25 de Abril e que se veio tornando progressivamente antidemocrático, no sentido em que se foram aumentando barreiras à criação de novos partidos. A prova do que eu digo é que não há um único partido, criado após o 25 de Abril, que tenha conseguido manter uma presença, mesmo que pequena no parlamento. Mesmo o BE representa uma fusão de partidos já existentes, e não propriamente um partido novo, no verdadeiro sentido da palavra. O próprio financiamento público dos partidos é também nesse sentido. Um partido só recebe financiamento público se obtiver mais de 50.000 votos ou se eleger um deputado para a Assembleia da República. Com a agravante que existem também limitações no valor dos donativos. Ou seja, um pequeno partido não recebe dinheiro do Estado e está também fortemente limitado no dinheiro que pode receber de privados. É verdadeiramente ridículo e antidemocrático. Veja-se também as presidenciais, onde o esquema, que requer a verificação junta de freguesia a junta de freguesia das assinaturas recolhidas, conseguiu eliminar praticamente todos os candidatos independentes ou de pequenos partidos e que poderiam ter dado muito colorido à campanha presidencial. E há que também que contar com o actual imobilismo da sociedade portuguesa. Infelizmente as pessoas estão muito concentradas na sua vida do dia-a-dia e não se envolvem na chamada "sociedade civil". Ora, não há organização política ou associação que viva do ar. É necessário o envolvimento das pessoas, quer via o voluntariado e via tornarem-se membros das organizações em que acreditam. É sintomático que as maiores associações portuguesas em número de membros sejam um clube de automobilistas que é basicamente uma empresa de assistência em viagem, clubes de futebol e ordens profissionais...


(T) - Dado que ainda é muito custoso e moroso recorrer a um Tribunal em situação de incumprimento, não consideras fundamental para o liberalismo ser implementado em Portugal que exista uma reforma no sistema judicial?




(MD) - O MLS aprovou recentemente uma moção sobre o sistema judicial. Existem três coisas que é necessário reformar em Portugal no que toca ao sistema judicial:

- Reformar o sistema judicial para que de facto passe a funcionar. É inconcebível que os processos continuem a demorar anos a ser resolvidos. Para que as empresas funcionem e os cidadãos se sintam protegidos, é necessário que a justiça funcione rapidamente. O não funcionamento eficiente da justiça tem um impacto significativo sobre a produção da riqueza nacional e consequentemente sobre os nossos rendimentos, já para não falar do impacto sobre a nossa qualidade de vida no geral (ex: não cumprimento de normas ambientais).
- Tem que haver uma mudança cultural na forma como produzimos leis em Portugal. Em muitos casos temos em Portugal, leis que são consideradas"as melhores do mundo", sendo que na realidade, só o são no papel, porque na prática são impossíveis de cumprir (sendo um excelente exemplo a lei que referi anteriormente de financiamento dos partidos políticos ou a anterior lei do aborto). É completamente ridículo produzirem-se leis que são tão exigentes que na prática não podem ser cumpridas. Quem acaba por ser afectado com este tipo de leis são precisamente os cidadãos e organizações honestas, que tentam cumprir as leis e quem sai beneficiado são aqueles que ignoram as leis. Quem produz leis tem sempre que avaliar se as leis são possíveis de cumprir, que custos terão que ocorrer para quem possam ser cumpridas e os custos/benefícios do seu cumprimento.
- Deverá facilitar-se o acesso à justiça ao cidadão comum. Ou seja, perante algo que não correu tão bem numa compra ou prestação de serviço, ou perante uma violação de uma norma por uma qualquer entidade pública ou privada, deverá ser fácil ao cidadão recorrer à justiça e defender os seus/nossos interesses.

(T) - Como conjugarias uma liberalização do mercado de trabalho com a manutenção da protecção dos direitos dos trabalhadores?

(MD) -
A protecção dos direitos dos trabalhadores tem sido vista de uma forma errada pela esquerda e pela direita. A nível de desemprego o que conta não é o facto de uma empresa nos poder despedir facilmente, mas sim, a certeza que encontramos num curto espaço de tempo um emprego com condições semelhantes noutra empresa se formos despedidos. A Flexisegurança é uma medida defendida também pelos partidos liberais por essa Europa fora. Sendo esse um campo em que o Estado pode e deve intervir. Ou seja, devemos dar flexibilidade às empresas para que essas possam adaptar-se aos mercados - só isso na realidade cria mais segurança, pois criando-se mais empregos todos ficaremos mais seguros de não ir para ao desemprego durante períodos prolongados. Mas também deveremos dar protecção no desemprego a quem de facto não consegue encontrar emprego e encontrar esquemas que permitam reciclar os conhecimentos dos cidadãos que entram em situação de desemprego. Mesmo actualmente em Portugal, temos situações em que existem excessos de oferta de mão-de-obra em determinadas áreas e falta em outros áreas. Cursos profissionais e pós-graduações ao longo da vida deverão ser coisas habituais e para os quais o Estado deverá criar condições para que tal possa acontecer. Relativamente a outros direitos como as férias, os contratos de trabalho, períodos de descanso, etc., o Estado deve intervir, definindo os mínimos aceitáveis, sendo que no entanto deverá também permitir que exista alguma flexibilidade de negociação. Os sindicados neste aspecto têm também um papel fundamental, como representantes negociais dos trabalhadores (pecando no entanto os sindicados portugueses por uma grande falta de visão sobre quais são realmente os interesses dos trabalhadores)."






FIM

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